Nossa Senhora no Carmelo
O Carmelo é todo de Maria
Escolheram a Virgem Maria como Patrona da Ordem, a Senhora do Lugar, demonstrando que estavam em honra e a serviço dela, de quem esperavam toda a proteção. Assim os primeiros carmelitas colocaram-se inteiramente à disposição, consagraram-se e viveram em obséquio (dedicação total) de Jesus Cristo e também de sua mãe Maria.
Consideravam-na como Mãe e modelo de vida contemplativa: ela nos ensina a acolher, a meditar e a conservar a Palavra de Deus no coração.Maria também é irmã dos carmelitas que têm como título oficial da Ordem: Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus do Monte Carmelo, conhecida como Ordem do Carmo.
Os carmelitas sempre estiveram em sintonia com a virgindade de Maria, que é não apenas física mas espiritual. Significa ter o coração inteiramente e exclusivamente dedicado a Deus, não dividido. Maria viveu só as coisas de Deus, esvaziando-se para Ele (vacare Deo) de tudo o que era terrestre e humano, para ocupar-se apenas dele.
É cheia de graça, pois teve êxito em esvaziar-se para que Deus ocupasse totalmente o seu coração. O ideal de todo carmelita. Não se pode compreender o Carmelo sem a presença viva de Maria. Ela é o modelo perfeito do ser consagrado ao Senhor. Com Maria sentimos a coragem de ser, no meio do povo e da Igreja, aqueles que oferecem o Cristo, gerado na oração.
Espiritualidade do Carmelo
A reforma introduzida por Teresa e João da Cruz quer ser uma superior e quanto delicada fusão entre o ideal contemplativo, próprio dos primeiros eremitas do Monte Carmelo, e o ideal apostólico que animou profundamente os dois Santos Reformadores. Esta admirável síntese espiritual pode ser esquematizada nos seguintes binômios:
• Intensa busca de Deus, que busca o homem, e grande atenção ao homem, sedento de Deus.
• Comunhão com Deus, no seguimento do Cristo, e comunhão com a Igreja, do Cristo seguidora.
• Repouso do ânimo na prática da oração e esforço ascético de purificação.
• Quietude em Deus e inquietude pela salvação do mundo.
• Gosto pelas coisas espirituais e sentido do concreto.
• Solidão, silêncio, retiro e zelo pelas almas, doutrina universal, impulso missionário.
• Comunhão com Deus, no seguimento do Cristo, e comunhão com a Igreja, do Cristo seguidora.
• Repouso do ânimo na prática da oração e esforço ascético de purificação.
• Quietude em Deus e inquietude pela salvação do mundo.
• Gosto pelas coisas espirituais e sentido do concreto.
• Solidão, silêncio, retiro e zelo pelas almas, doutrina universal, impulso missionário.
A espiritualidade do Carmelo se embasa sobre a doutrina de Teresa de Jesus e de João da Cruz, proclamados Doutores da Igreja, e é unanemente reconhecida como o suporte fundamental da teologia ascética e mística. Esta doutrina, que toma o nome de Escola Teresiana, foi sucessivamente enriquecida pela experiência e pelos escritos de outras figuras carmelitanas, como Teresa do Menino Jesus (desde 1997 Doutora da Igreja), Elisabete da Trindade e Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein). Característico da espiritualidade carmelitana é o acentuado cristocentrismo. No coração da vida espiritual resplende a figura de Cristo, que a alma busca por meio das virtudes teologais (fé, esperança e amor) e ascéticas (humildade, caridade e desapego), tomando o caminho da oração amorosa.
Desta espiritualidade profundamente mística e corajosamente ascética floresce, desde o século XVII, o ideal missionário. Basta pensar que a primeira Congregação de Propaganda Fidei (1600) foi em grande parte obra dos Carmelitas Descalços, e teve a notável influência do grande missionário espanhol Fr. Tomás de Jesus. Os primeiros missionários italianos estiveram na Pérsia (atual Irã e Iraque - 1604) e em seguida fundaram em Malta, nas Índias, em Moçambique e Madagascar, na China e no Extremo Oriente.
O amor e o serviço ao próximo
... na espiritualidade dos místicos carmelitas
Por Fr. Maximiliano Herraiz, ocd
A relação de amor que gera atitudes de serviço aos irmãos é um traço essencial do relacionamento com Deus. Encontrar-se com o Deus que é Amor é topar com um Deus que vem ao nosso encontro para nos servir, sempre, e, de forma definitiva, em seu Filho Jesus Cristo. Por isso o caminho de união com Deus é caminho de união com os irmãos. Trata-se de um único processo. O "eu" amante é um, que se orienta em várias direções. A experiência e a palavra de nossos Santos Padres Carmelitas é rica e abundante, materialmente mais ampla em Teresa de Jesus.
Para falar do serviço do próximo temos que começar pela firmeza nas relações com Ele. "Se não é nascendo da raiz do amor de Deus, não chegaremos a ter com perfeição a com o próximo" (5M 3,9). Vale aqui também o princípio: "Não temos que dar se antes não o tivermos recebido" (C 32,13). João da Cruz também expressa a mesma idéia: "os bens não vão do homem a Deus, mas de Deus ao homem" (2N 16,5). Além disso tudo o que nós recebemos nos é dado para ser doado no modo em que se nos dão (cf. Ch. 3,78). E o bem supremo que recebemos de Deus é o amor. Portanto, sem esta firme experiência do amor de Deus, o serviço ao próximo pode ficar comprometido. Então entendemos porque às vezes Santa Teresa chama a atenção para não se precipitar no serviço apostólico que, sem a devida maturidade, pode ser prejudicial ao mesmo serviço e aos demais. Ela está convencida de que nós fazemos o bem aos outros na medida e da qualidade do nosso amor. Daí a prudência: "não tem que sair ao combate, mas deve fartar-se em defender-se" (V.19,15; 5M 4,5).
Para nossos santos o amor é que dá valor a tudo, na linha do apóstolo Paulo. "Deus não se serve de outra coisa senão de amor" (C 28,1), afirma S. João da Cruz. Para Santa Teresa não é o que se faz que é importante, mas com que amor se vive e se trabalha, é o que serve à construção do Reino de Deus: "Não façamos torres sem fundamento, porque o Senhor não olha tanto a grandeza das obras, mas o amor com que são feitas" (7M).
Mas como adquirir este amor? (F5,3). "Para graças tão grandes... a porta é a oração" (V.8,9). Foi ela que "me fez entender que coisa era amar" (V.6,4). Em Fundações 5, ela responde: "determinando-se a obrar e padecer, e fazê-lo quando se oferece". Trabalhar e padecer, ou seja, servir e amar.
Santa Teresa vai aos poucos entendendo o valor das obras, do serviço e da caridade. O que antes ela rechaçava, o tanto trabalhar chamado por ela de "barafunda", realidade de dispersão, confusa, sem centração e recolhimento, passou a ser visto por ela como um caminho de santificação e união com Deus, pois uma alma unida a Ele não precisa preocupar-se em encontrar caminhos e modos de viver, pois sua vontade já é dele (cf. F.5,6).
A oração tem uma função extraordinária: a de fortalecer a pessoa para servir aos demais na superação de seus egoísmos. E se estar com Deus é bom, amá-lo, no modo como ele nos exige, e as circunstâncias no-lo dirão, é melhor e mais perfeito. Quando se trata de obedecer ou amar, não se deve buscar a solidão, mas servir quando Ele nos pede, segundo a exigência dos irmãos. Por isso, o amor é a medida da nossa ação: "é mais precioso diante de Deus e da alma um pouquinho deste puro amor e mais proveitoso à Igreja, ainda que pareça não fazer nada", diz S. João da Cruz.
O serviço é lugar de crescimento na união com Deus e o amor é a raiz de todo serviço evangélico. A pessoa adiantada no caminho espiritual não quer morrer para ver a Deus, senão quer "com a vida servir em alguma coisa a quem tanto ela deve" (Meditações sobre os Cantares, 7,1). Em Santa Teresa os desejos de querer morrer para gozar plenamente da comunhão com Deus, sucede o querer viver para servir (7M 3,4) e explica dizendo que como "não olha mais seu próprio contentamento, senão agradar a Deus, seu prazer é em imitar em algo a trabalhosíssima vida que Cristo viveu" (MC 7,9), que significa "deixar seu saber e bem para contentar-lo em servir o próximo". Quanto mais adiantado se está no caminho da oração, "mais acode às necessidades dos outros" (MC 9).
Segundo Santa Teresa a força evangelizadora da Igreja não está na força dos exércitos, nem na regulamentação doutrinal, moral ou jurídica, mas no nível contemplativo da comunidade eclesial, que a faz amar e trabalhar e vice-versa. Sim, pois a ação do serviço também é fonte da experiência de Deus. "É tão grande o amor que Sua Majestade nos tem que, em paga do que temos ao próximo, fará que cresça aquele que temos para com Ele por mil maneiras; nisto eu não posso duvidar" (5M 3,8; Excl. 2,2).
Um alto dignatário eclesiático certa vez queixou-se com Santa Teresa porque não tinha tempo para rezar. Teresa lhe disse: "O Senhor lhe dará dobrado, como faz sempre quando alguém deixa (a oração) por seu serviço, ainda que desejo que Vossa Senhoria encontre tempo para si, porque nisto está todo o nosso bem" (Ct 16.1.78; 217,27). Em uma carta a um amigo sacerdote escreve: "entendo que tudo o que se faz para fazer bem um ofício de superior é tão agradável a Deus que, em breve tempo, dá o que, de outro modo, daria em tempos largos" (6.78; 239,8). Certa vez recorda a seu irmão Lourenço, fervoroso orante e não tão diligente trabalhador de sua fazenda: "desengana-se por isso, pois tempo bem empregado como é o de olhar pela fazenda de seus filhos, não lhe tira a oração. Em um instante dá Deus mais, fartas vezes, que com muito tempo; pois não se medem suas obras pelos tempos" (02.01.77; 167,16). E acrescenta com suporte bíblico: "não deixava de ser santo Jacó por mergulhar em seus afazeres, nem Abraão nem São Joaquim, e quando queremos fugir do trabalho tudo nos cansa" (ib. 17).
Teresa fala do profundo dinamismo que desata o matrimônio espiritual. O centro onde "só Ele e a alma gozam-se com grandíssimo silêncio" (7M 3,11), constitui-se no "lugar" de operações, a partir de onde se mobilizam todas as forças da pessoa para servir aos demais: "força que envia a alma do centro interior à gente que está acima do castelo, para que não estejam ociosas" (7M 4,11). E continua no número seguinte: "Assim tem farta má aventura enquanto vive; porque, por muito que faça, é muito mais a força interior e a guerra que se lhe dá, que tudo lhe parece nonada".
O mesmo confessa João da Cruz: porque o amor "faz semelhante ao Amado" (C 36, 3). O "gozemo-nos, Amado!" do primeiro verso da canção, significa a vontade da pessoa em ocupar-se "ora interiormente, ora exteriormente, fazendo obras pertencentes ao serviço do Amado" (ib 4), "entrando mais adentro" na paixão e morte de Jesus para "entrar mais adentro" em sua vida e ressurreição (ib 10 - 13), "dedicada e emancipada ao serviço d'Ele, empregando o entendimento em entender as coisas que são mais de seu serviço para fazê-las, e sua vontade em amar tudo o que a Deus agrada..., e a memória e o cuidado do que é de seu serviço e o que mais lhe há de agradar" (C 28,3). Com um mapa da Espanha na mão se pode meditar a carta a Ana de Santo Alberto, de junho de 1586.
O que mais agrada a Deus, qual o seu "manjar", no dizer de Teresa? "É fazer, de todas as maneiras que podermos, que almas se salvem e sempre o louvem" (7M 4,14). A unidade de vida não está na alternância de atos, de contemplação e de apostolado, senão no amor, que é o que dá sentido de comunhão e de serviço a tudo o que a pessoa realiza. As obras externas podem até faltar por vocação ou impedimento físico, mas nunca faltará a realidade de uma vida fecundíssima apostolicamente em favor da Igreja e da humanidade, se houver aquela união com Deus, que é o princípio e o termo que define e identifica nossa vida.
Contemplação
... em Santa Teresa
Tomas Alvarez
Teresa entende por "contemplação" uma forma de oração superior à meditação e estruturalmente diversa desta. A meditação é discursiva. A contemplação não, é antes intuitiva. Aquela é racional, fundamentalmente obra do entendimento e orientada para a vontade e a apção. A contemplação afeta diretamente a vontade e envolve toda a pessoa do orante, toda a sua afetividade anímica, num simples fuxo de atividade e passividade. Realiza uma especial relaão do homem com Deus, prepara a união mística e perdura nos altos graus da mesma. Teresa distinguirá os atos ou momentos passageiros de contemplação, e o estado de contemplação, que coincidirá nos escritos teresiano0s com os altos graus da experiência mística, quando o sujeito se sensibilizou e conaturalizou-se com a presença e a ação de Deus nele.
Embora sem lhe dar o nome de "contemplação", Teresa dedica-lhe uma espécie de instantânea descritiva no primeiro capítulo do Livro da Vida, ao recordar a eclosão de sua sensibilidade infantil, pensando na eternidade ou abandonando-se ao desejo de ver a Deus: "Espantava-nos muito a afirmação, no que líamos, de que a pena e a glória eram para sempre. Ocorria de passarmos muito tempo tratando disso e nos agradava dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre! Por dizer isso muito devagar, ficava imporesso em mim, em tão tenra idade, o caminho da verdade" (1,4). Reparem nos indicativos da modulação contemplativa infantil: "espantava-nos muito" (assombro), "passar muito tempo" (enlevo prolongado), !caminho da verdade impresso em mim" (índice inicial de infusão ou de passividade contemplativa).
Rara vez ela aludirá ao ato natural de contemplar algo, como a paisagem ou a água ou o rosto de uma criança. Atesta-o somente de passagem: "Eu também me beneficiava de ver campos, águas, flores; encontrava nessas coisas a lembrança do Criador, isto é, elas me despertavam e me recolhiam, servindo-me de livros! (V 9,5; na R 1,11 completa a série: "quando vejo alguma coisa formosa, rica, como água, campos, flores, odores, música...", mas nesta passagem já os transcendendo desde a alta contemplação do divino).
Do ponto de vista psicológico, na contemplação - segundo ela - estão atados o entendimento e a fantasia. É clássico seu momento de auto-análise: "Este entendimento (abarca o entendimento e imaginação) está tão perdido (na contemplação), que não parece senão um louco furioso, que ninguém pode atar, nem sou senhora de fazê-lo estar quieto um credo... Conheço mais então a grandíssima mercê que me faz o Senhor quando tem atado este louco em perfeita contemplação" (V 30,16).
Do ponto de vista pedagógico, no magistério teresiano há dois modos de superar e discorrer da meditação: uma, com a simples superação da oração discursiva, que ela chama "recolhimento" ou "oração de recolhimento", e a outra já em "contemplação mística" que ela alguma rara vez designará com o termo teológico latinizante "infusa": "luz infusa" (M 6,9,4), "resplendor infuso" (V 28,5), "sabedoria infundida" (C 6,9). Só para esta reserva o nome de "contemplação". Costuma qualificá-la de "contemplação perfeita" (V 22 passim; C 16; 25,1; 27-28; M 6,7,7; F 4,8...); em seus graus místicos mais elevados: "subida contemplação" ou "subidíssima contemplação" (V 8,11; 22 tít...; CE 60,2), "cume de contemplação" (V 22,7; Con 5,3).
As notas características da contemplação infusa são, segundo ela, do ponto de vista psicológico, a fixação da mente em qualquer um dos aspectos do mistério, com a consequente cessação do fluxo de pensamentos de imagens: Teresa titubeia entre as duas fórmulas "o entendimento não discorre" ou "não obra", ainda que esta última corrigi-la-ão os teólogos censores.
Mais importante é sua origem: do ponto de vista genético, "é coisa dada por Deus" (C 17,2), "coisa sobrenatural" (V 23,5); ou seja, é pura iniciativa de Deus em nós, pura graça: "sem o rumor das palavras, esse Mestre divino está lhe ensinando, suspendendo-lhe a atividade do intelecto, porque esta, nessa circunstância, antes prejudicaria que beneficiaria; a alma goza sem entender como. Ela está abrasando-se em amor e não entende como ama; sente deleitar-se naquilo que ama e não sabe como. Ela bem entende que o seu intelecto nunca alcançaria esse prazer; é tomada por uma intensa vontade sem compreender como... Ele é dom do Senhor do céu e da terra, que o dá como quem é. Esta, filhas, é a contemplação perfeita" (C 25,2). Teresa insiste repetidas vezes em que não existem técnicas oracionais que produzam este gênero de contemplação ou introduzam nela. Em nítida contraposição com as duas formas de oração mental e vocal: "pensar e rezar. Nessas duas coisas, também podemos fazer alguma coisa, com o favor de Deus; na contemplação de que acabei de falar, nada está ao nosso alcance. Sua Majestade é quem faz tudo, pois é obra Sua, que está além da nossa natureza" (ib.3).
O mais apreciado, entre todos os conteúdos da contemplação [e - para ela - o mistério de Cristo Jesus. Em todas as suas manifestações, suas palavras, sua conduta histórica, seu amor, seus sentimentos, sua relação com o Pai, sua cruz, sua glória. Teresa defendeu de modo especial o caráter cristológico da contemplação mística. Não é verdade - segundo ela - que a contemplação cristã adote a tese platônica de objetivar-se nas formas puras e imateriais. A Humanidade de Jesus é não só objeto possível na mais alta contemplação, mas que a contemplação cristã é inevitável. Ele é caminho e porto final. Daí decorre que, segundo ela, Cristo e sua Humanidade santa, marquem a escalada da contemplação, em sua linha ascensorial para o divino e em sua dimensão expansiva para o humano.
(Texto extraído do Dicionário de Santa Teresa, Ediões Carmelitanas & LTR)